Railan Andrade Santos e VitĂłria Gabriele Costa Cruz foram
mortos enquanto esperavam uma pizza na Baixa de Quintas Crédito:
Reprodução
Caique Costa, VitĂłria Gabriele Cruz e Railan Santos esperavam
uma pizza quando foram vĂtimas de um triplo homicĂdio na Baixa de Quintas, em
janeiro deste ano. Os amigos, de 15 e 18 anos, foram alvo de 50 tiros disparados por um grupo de homens armados. Ă
Ă©poca, a suspeita era de que a execução tivesse sido uma espĂ©cie de ârecadoâ
por parte de traficantes. Um lastro de violĂȘncia que se estende ao longo do
primeiro trimestre de 2025. Segundo dados do Sistema Nacional de InformaçÔes de
Segurança PĂșblica (Sinesp), ligado ao MinistĂ©rio da Justiça e Segurança
PĂșblica, a Bahia somou um total de 1.018 homicĂdios dolosos atĂ© março, sendo o
estado nĂșmero 1 em mortes no Brasil neste ano.
Na pesquisa, considera-se como homicĂdio doloso a morte com
indĂcio de crime ou agressĂŁo externa, excluindo feminicĂdios, lesĂŁo corporal
seguida de morte, latrocĂnios e mortes culposas. TambĂ©m entram na classificação
mortes violentas em acidentes de trĂąnsito quando hĂĄ dolo e casos como encontro
de cadĂĄveres ou ossadas com sinais de crime ou causas desconhecidas. Na Bahia,
homens sĂŁo a maioria das vĂtimas, somando 943 mortes, enquanto as mulheres
correspondem a 74 casos. Por dia, sĂŁo cerca de 11 homicĂdios, sendo a maior
parte deles registrada na capital (208 homicĂdios) e na regiĂŁo metropolitana.
A estatĂstica nĂŁo Ă© novidade: desde 2015, a Bahia ocupa o
primeiro lugar em homicĂdios dolosos no Brasil, segundo a base de dados do
Sinesp. Um cenĂĄrio que, de acordo com o advogado Wagner Moreira, fundador e
coordenador-geral do Ideas Assessoria Popular, reflete um fracasso da gestĂŁo
dos partidos de centro-esquerda na ĂĄrea da segurança pĂșblica.
âA gente vem falando de um fenĂŽmeno que Ă© a nordestinização
da violĂȘncia. Um cenĂĄrio em que, mesmo governos tidos como de esquerda ou
centro-esquerda, nĂŁo conseguem reverter. Muito pelo contrĂĄrio, assumiram a
liderança da violĂȘncia. Assim, encontramos estados do Nordeste com esse cenĂĄrio
de hiperletalidadeâ, destaca, ao comparar o segundo e terceiro colocados no
ranking de homicĂdios dolosos em 2025: Pernambuco, com 784 mortes, e CearĂĄ, com
714.
As dificuldades estendem-se ainda Ă falta de diĂĄlogo com
setores da sociedade civil, à criminalização dos movimentos sociais e ao
fracasso na lĂłgica de controle externo da atividade policial, acrescenta o
advogado: âVocĂȘ vem cada vez mais aumentando, na lĂłgica deles, o combate Ă
criminalidade faccionada sĂł pelo confronto, sem ação de inteligĂȘncia, sem
investir em investigação. Então, todo esse cenårio joga para que a Bahia
precise, de fato, revisar os rumos da segurança pĂșblica.â
O historiador e integrante da Rede de ObservatĂłrios da
Segurança na Bahia Dudu Ribeiro aponta a influĂȘncia do trĂĄfico de drogas no
nĂșmero de homicĂdios no estado, seja nas disputas territoriais ou nos
confrontos com a polĂcia. Outro fator citado Ă© a polĂtica de encarceramento em
massa, que fortaleceria a atuação de facçÔes criminosas.
"Ă importante que a gente perceba que um conjunto muito
mais amplo de pessoas Ă© atingido pela violĂȘncia urbana. Estamos falando de
crianças que crescem sem os seus pais assassinados e de mulheres negras que
ficam sobrecarregadas em suas tarefas. Estamos falando também de um custo
relacionado Ă convivĂȘncia cotidiana das periferias do Brasil com o luto, que
adoece e impede possibilidades de vidaâ, explica.
Ribeiro também ressalta a importùncia de qualificar a
produção dos dados de segurança pĂșblica a nĂvel nacional, visando a criação de
estratĂ©gias alinhadas em todo o paĂs. Ainda assim, Ă© importante repensar a
lógica atual do combate ao crime, passando a priorizar a proteção das pessoas
ao invés da letalidade.
âNĂŁo adianta uma estratĂ©gia que promova mais guerra. Temos
que pensar em um alinhamento nacional na ĂĄrea de segurança pĂșblica baseado na
proteção da vida e na desorganização dos grupos criminais a partir da
inteligĂȘncia. Isso pode ser feito a partir do investimento em ciĂȘncia, em
tecnologia e no treinamento, além da redução do papel do militarismo na vida
dos brasileiros, que é o grande responsåvel pela manutenção desse aparato de
violĂȘnciaâ.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança PĂșblica
da Bahia (SSP-BA) declarou que as açÔes das PolĂcias Militar e Civil resultaram
em reduçÔes de 12,6% (em Salvador) e de 15,7% (na Região Metropolitana de
Salvador) das mortes violentas, entre janeiro e abril de 2025, em comparação
com o mesmo perĂodo do ano anterior. No estado, a queda Ă© de 10,4%.
Acrescentaram ainda que, nos Ășltimos dois anos, as mortes violentas recuaram
8,2% (em 2024) e 6% (em 2023) na Bahia.
Comparando os primeiros trimestres de 2024 e 2025, a redução
no nĂșmero de homicĂdios dolosos foi de 118 casos. âAinda que a gente tenha uma
tendĂȘncia de queda, essa queda nĂŁo Ă© suficiente, a Bahia permanece no topo do
ranking da letalidadeâ, contesta Moreira.
Entretanto, ele destaca que o estado começa a dar sinais de
que reconhece o fracasso da sua polĂtica de segurança pĂșblica. Moreira aponta
como exemplo a troca recente dos postos de comando abaixo do secretĂĄrio de
Segurança, incluindo o comandante-geral da PolĂcia Militar, o chefe do Corpo de
Bombeiros e a delegada-geral da PolĂcia Civil. Salienta ainda que parte dessas
mudanças seguiu pautada pela pressão social após casos de grande repercussão,
como a chacina da Gamboa, em 2022, e a morte da lĂder quilombola MĂŁe
Bernadette, em 2023. âQuando vocĂȘ empresta a biografia a esses dados, percebe a
gravidade delesâ, conclui.
*Com colaboração do repórter Gilberto Barbosa
Por Correio24horas